Segue uma linha do tempo e um resumo bastante didático sobre o Afeganistão (preparei também um vídeo no canal). Claro que não há minúcias suficientes para que se compreenda o quadro atual com a complexidade devida, já que exigiria muitas horas, mas a intenção é apenas trazer um pouco da história, focando as diversas rupturas e envolvimentos estrangeiros anteriores.
IMPÉRIO DURRANI – (1747-1826)
incluía o nordeste do atual Irã, a região da Caxemira, o estado moderno do Paquistão e o noroeste da Índia.
- Ao lado do Império Otomano, o Império Durrani foi o maior império muçulmano na segunda metade do século XVIII.
- O Império Durrani é considerado a fundação do atual estado do Afeganistão
EMIRADO DO AFEGANISTÃO – (1823-1926)
começou em 1823 e terminou quando o Emir Amanulá Cã se tornou xá/monarca em 1926.
- Esse período foi caracterizado pela expansão dos interesses coloniais europeus na Ásia Central com o “Grande Jogo” entre o Império Russo e a Inglaterra.
- O Emirado do Afeganistão enfrentou em três guerras com o Reino Unido, o que resultou na manutenção da independência do Afeganistão com uma certa quantidade de controle britânico.
- Em 1919, o Afeganistão se tornou independente de facto do Reino Unido depois do Tratado de Raualpindi.
- Reconheceu as fronteiras da India Britânica
REINO DO AFEGANISTÃO – 1926 – 1973
- Amanullah Khan proclamou o reino do Afeganistão e iniciou reformas progressistas que se chocavam com os conservadores radicais;
- Em 1927 abdicou durante uma viagem à Europa por uma rebelião em favor de seu irmão, que depois de 3 dias foi deposto e um líder tribal chamado Kalakani tomou o poder imaginando formar um emirado;
- Os britânicos então financiaram o retorno do exílio na Índia de um ex general chamado Nadir Shah, que saqueou Cabul e assumiu o reino, mantendo uma política conservadora.
- Em 1933 foi sucedido por Zahir Shah, seu filho, último rei do Afeganistão, cujo reinado durou 39 anos. O governo afegão se inseriu no sistema multilateral a partir daqui e buscou posicionamento com as grandes potências da época.
REPÚBLICA DO AFEGANISTÃO – 1973 – 1978
- Daoud Khan se tornou o primeiro presidente do Afeganistão em 1973, depois que ele depôs Mohammad Zahir Shah, em um golpe de Estado sem violência;
- Manteve o posicionamento mais progressista e buscou a modernização do país com algumas aberturas comerciais / políticas.
- Daoud e toda sua família foram assassinados durante o golpe de Saur em 1978;
COMUNISMO E REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO AFEGANISTÃO – 1978 – 1989
- A falta de resultados práticos e de uma melhoria de vida geral trouxeram insatisfação e auxiliaram na formação de um golpe militar para instauração do comunismo (A Revolução de Saur);
- O governo comunista declarou-se ateísta e implementou uma trágica série de reformas, incluindo a agrária, o que despertou a ira dos conservadores e dos mujahidins que buscam através das armas e milícias o restabelecimento religioso.
- A União Soviética justificou a necessidade da intervenção com o argumento de preservar o Estado comunista afegão dos ataques dos mujahidin e de manter a paz na Ásia Central. Alguns observadores acrescentam que outro motivo pode ter sido a presença de petróleo na região, num momento em que a Revolução Iraniana provocava o segundo choque do petróleo.
- Apoio aos Mujahidins vinha dos Estados Unidos, que os armavam com o que havia de melhor, inclusive em mísseis.
- Desde esta época estava clara a natureza do conflito afegão
- Durante os três primeiros anos da invasão, os soviéticos tiveram que lidar com a deserção de dois-terços do exército afegão, o que ajudou os rebeldes a manter sob seu controle 80% do território afegão.
- Em 1984, as tropas soviéticas contavam 250 000 homens.
- A partir de 1986, os EUA conseguiram enviar mísseis de alcance maior, o que já não garantia a supremacia aérea soviética. Este quadro tornou a pressão sobre a URSS bastante grande, até que em 1988 há a decisão de Gorbatchev sobre a retirada das tropas (que se conclui em 1989).
GUERRA CIVIL AFEGÃ E FIM DA REPÚBLICA AFEGÃ – 1989 – 1992
- O regime comunista aguentou algum tempo de combate contra os Mujahidins graças ao armamento deixado pelos soviéticos e por alguma ajuda financeira que ainda chegava de Moscou;
- Quanto mais escasso tornou-se o auxílio, menos resistência o regime comunista conseguiu impor aos rebeldes.
- O regime comunista sucumbiu à ascensão dos Talibans, que se estabeleceram como uma das lideranças dos Mujahidins.
GUERRA CIVIL AFEGÃ II – 1992 – 2001
- Os Mujahidins começaram a dissolver as alianças internas e iniciar guerras étnico-tribais para estabelecimento de poderes locais.
- Em 1994, formou-se um novo movimento dos talibãs no sul do país, com apoio paquistanês, o qual rapidamente obteve vitórias contra as outras formações e em 1996 tomaram a capital Cabul.
- A partir de então se estabelece plenamente o “santuário” ou seja, local de abrigo e fomento para organizações terroristas e estabelecimento de um Estado;
- Estado Islâmico do Afeganistão foi reconhecido em 1997 por Arábia Saudita, Paquistão e Emirados Árabes Unidos;
- Fortaleza do regime dos Talebans residia também no controle das plantações e produção de ópio.
- A partir dos ataques de 11/9/2001 inicia-se um novo capitulo no Afeganistão, quando os Talibans são acusados de manter Osama Bin Laden sob proteção.
GUERRA AO TERROR, DOUTRINA BUSH, AFEGANISTÃO “DEMOCRÁTICO” – 2001 – 2021
- Como parte da Doutrina Bush, a invasão ao Afeganistão significou uma parte da doutrina que entendia o caráter supranacional de um grupo terrorista. Ou seja, qualquer abrigo dado à Al-Qaeda significaria concordância, independente do território envolvido.
- os Estados Unidos, com a contribuição militar da organização armada muçulmana Aliança do Norte e de outros países ocidentais (Reino Unido, França, Canadá dentre os principais) se articulou para que ocorresse esta invasão;
- Teve início em 7 de outubro de 2001, à revelia das Nações Unidas, que não autorizaram a invasão do país.
- O objetivo declarado da invasão era encontrar Osama bin Laden e outros líderes da Al-Qaeda, destruir toda a organização e remover do poder o regime talibã, que alegadamente apoiara a Bin Laden
- O conflito militar não significava também uma anexação, ou um modelo de tutela colonial, significava apenas perseguição à Al-Qaeda. Após a destituição do Taliban como liderança política, caberia às forças nacionais treinadas por empresas privadas que fizessem a tutela de seu território;
- Essa estratégia falhou clamorosamente por não levar em consideração:
- A pulverização territorial / étnica em jogo;
- O auxílio de Paquistão e Irã às milícias Talibans (ainda que não formalmente);
- A ausência de plano no estabelecimento de um Estado-Nação. “Demoracia” e “instituições” não são fabricáveis.
- O Parlamento do Afeganistão (Loya Jirga) foi composto em um mosaico étnico complexo. Para se ter ideia, a “Grande Assembléia” possui 3.200 membros tribais, líderes comunitários e representantes políticos para que as decisões importantes sejam tomadas.
(Adendo) ACORDO DE PAZ – 2020
Um dos pontos que mais gera desinformação atualmente é o fato de atribuir-se à Biden a retirada de tropas como se fosse uma decisão unilateral e simplória.
- 29/02/2020 ainda sob presidência Trump o acordo foi assinado (link para o acordo) em Doha para que houvesse gradual saída dos EUA.
- Ali estão previstas as reduções e prazos para saída, bem como factualmente exposta a vitória moral Taleban;
- Em agosto de 2020, o parlamento afegão aceitou a libertação de 400 prisioneiros Talibans, com várias lideranças poderosas inclusas. O presidente Ashraf Ghani sancionou. Mas o que motivou essa medida?
- Pressão dos Talibans que vincularam essa liberação a um melhor andamento das conversas de paz;
- Pressão americana, visto que na percepção de Trump, o retorno do maior número de tropas seria importante como trunfo eleitoral;
- Dentre os prisioneiros libertados, Maulaui Hibatullah Akhundzada, atual líder do Taliban na retomada de 2021.
- A questão de Biden então foi apenas de continuidade. O Taliban vêm se fortalecendo a cada dia e a retomada de Cabul era questão de tempo.
- Não há empenho real dos EUA e Reino Unido em sustentar uma guerra em maior escala.
REPÚBLICA ISLÂMICA DO AFEGANISTÃO – 2021 –
- Taliban compromete-se a manter uma política moderada e, na medida do possível dentro de uma complexa Sharia desenvolvida a partir de entendimentos teocráticos e doutrinários que misturam interpretações mais radicais, um respeito às liberdades e convivências;
- Este item não será respeitado. Em breve os abusos aos direitos humanos e, especialmente, às mulheres, ficará exposto.
- Todos os grupos minoritários serão perseguidos e uma nova onda de terror vai minar esta já tão sofrida terra. Uma pena.
